A ti, uma estátua
«Serei uma boa pessoa?»
Perguntas tu ao espelho,
Com medo que a resposta doa,
Com medo que te deixe vermelho
De vergonha. Ai o espelho!
Pensamento que te persegue,
Sempre à noite ao deitar,
Depois de à cama teres entregue
Crianças que perguntam a chorar:
— Pai, o mundo vai acabar?
Está nas redes sociais
Que o mar está cheio de lixo
Que era dos nossos pais.
E tu olhas para baixo
Sem saber o que dizer —
Vergonha de tanta compra,
De tanto plástico ter
Deixado o ar suster,
Sem fazer uma conjectura
De qual seria a criatura
Que por isso iria morrer.
— Pai, o mundo vai acabar?
— Não, eu não vou deixar.
A manhã chega, inesperada,
E tu com uma promessa pendurada
Que te roubou o descanso:
«Como evitar o falhanço
De construir um futuro
Sustentável e seguro?»
Olhaste em volta
E dentro cresceu a revolta,
Sentimento de impotência
Para tamanha diligência.
Fechaste os olhos, respiraste
E de rompante atacaste:
O que era de plástico, fora!
Tudo de novo se decora
Até que na casa inteira
Só haja pedra e madeira,
Vidro, cerâmica e metal,
E até o cabedal já ser vegetal!
Sentas-te cansado,
Com a pequenada ao teu lado,
Que olha com olhos tristinhos
Para a consola dos amiguinhos,
Mas para isso já não há dinheiro:
Foi para a madeira por inteiro.
«Serei uma boa pessoa?»
Perguntas tu ao espelho,
Com medo que a resposta doa,
Com medo que te deixe vermelho
De vergonha. Ai o espelho!